O crescimento da população humana tem sido acompanhado por um aumento da exploração dos recursos da biosfera e pela introdução de desiquilíbrios.
Da Agricultura tradicional à Intensiva
As plantas, os animais e os produtos que deles derivam constituem, na sua quase totalidade, os recursos alimentares do Homem que são obtidos essencialmente, pela agricultura, pecuária e pesca.
A partir da segunda metade do século XX, a necessidade crescente de alimentos e o desenvolvimento científico e tecnológico das sociedades traduziram-se num aumento da produção de bens alimentares, para o qual contribuiram os seguintes factores:
desenvolvimento de equipamento agrícola;
utilização de fertilizantes químicos e pesticidas na agricultura;
desenvolvimento de técnicas mais eficientes de irrigação;
intensificação e modernização da pecuária e da aquacultura;
melhoria das embarcações e das técnicas de pesca;
aplicação da biotecnologia no melhoramento de espécies de organismos utilizadas na alimentação humana e no aumento da sua produtividade.
O desenvolvimento de novos equipamentos e produtos de uso agrícola foi acompanhado da alteração de um modelo de agricultura tradicional, de tipo familiar, para a agricultura intensiva, assente na monocultura, nos países industrializados.
Agricultura Tradicional: cultivo de pequenas áreas em regime de policultura, com utilização de técnicas que preservam a rentabilidade do solo, tais como:
rotação de culturas;
pousio;
aplicação de adubos orgânicos;
associação de espécies com diferentes necessidades em elementos minerais;
rega manual, muitas vezes com recurso a desvio de água dos rios ou a poços;
trabalho essencialmente manual ou com a ajuda de animais.
Consequências:
produção de alimentos em pequena quantidade, que apenas satisfaz as necessidades familiares ou de uma pequena comunidade;
mantém a fertilidade do solo;
não causa poluição do solo ou da água;
preserva os recursos hídricos.
Agricultura Intensiva: cultivo de grandes áreas, em regime de monocultura, com apenas uma espécie.
As tecnologias aplicadas incluem:
utilização de adubos sintéticos;
utilização de pesticidas;
rega automática;
trabalho executado por máquinas.
Consequências:
produção de alimentos em grande quantidade, destinados a serem comercializados;
a obtenção de novas áreas agrícolas é muitas vezes feita à custa da desflorestação;
os elementos minerais do solo esgotam-se rapidamente, conduzindo à degradação do solo e à desertificação;
a falta de biodiversidade torna mais comum o aparecimento de doenças e de pragas;
o excesso de adubos e pesticidas polui o solo e a água;
os volumes de água utilizados na irrigação contribuem para o esgotamento dos recursos hídricos;
consumo de grandes quantidades de energia fóssil.
Outras estratégias para aumentar a produção de alimentos
Reprodução Selectiva: é utilizada desde há vários séculos e baseia-se na selecção artificial para obter variedades de plantas ou animais com características vantajosas.
Em cada geração, são promovidos os cruzamentos entre indivíduos que apresentam as características desejadas, que, assim, aumentam a sua representatividade na geração seguinte.
A reprodução selectiva permite:
obter produtos de melhor qualidade, como frutos, sementes, carne, leite, ovos ou peles;
melhorar as capacidades de reprodução, o que permite obter uma descendência mais numerosa;
obter variedades de plantas e animais mais resistentes a doenças e parasitas.
Nos animais, a reprodução selectiva foi facilitada com o desenvolvimento das técnicas de inseminação artificial. O sémen de um macho com características vantajosas pode ser usado para inseminar uma grande quantidade de fêmeas.
Desvantagens associadas à reprodução selectiva:
é um processo lento;
apenas permite combinar características de indivíduos da mesma espécie ou de espécies relacionadas;
as variedades resultantes perdem eficácia num período de tempo curto devido a pragas e doenças.
Propagação Vegetativa: permite a obtenção de clones de plantas com características desejáveis, por reprodução assexuada. As plantas possuem uma grande capacidade de regeneração devido à totipotência de algumas das suas células. A propagação por estaca, a mergulhia e a enxertia são algumas das técnicas de propagação vegetativa.
Cultura de Tecidos e Micropropagação Vegetal:
A micropropagação é uma extensão dos métodos tradicionais de propagação vegetativa.
A clonagem de plantas com características desejáveis é obtida pela cultura in vitro de tecidos vegetais, sob determinadas condições de assepsia, num meio com nutrientes e hormonas e com controlo de factores abióticos, como a luz, temperatura, oxigénio e CO2.
Processo:
Escolha do explante – a escolha do explante condiciona o grau de sucesso na micropropagação, pelo que a sua fonte deverá ser cuidadosamente escolhida. Os explantes devem ser provenientes de plantas jovens adultas, de preferência de zonas de crescimento activo, nomeadamente dos meristemas.
Desinfecção do explante: a desinfacção é feita em etapas, com recurso a álcool etílico comercial em concentração de 50 a 70%, hipoclorito de sódio (lixívia) ou cálcio, seguido de lavagens com água destilada.
Incubação em meio de crescimento: o explante é incubado em meio de crescimento, contendo uma mistura de sais minerais, fonte de energia (sacarose), vitaminas e fito-hormonas (tais como auxinas e citocininas). As células crescem e multiplicam-se indefinidamente, desde que o meio seja periodicamente renovado. O conjunto de células indiferenciadas denomina-se tecido caloso.
Transferência do tecido caloso para meio contendo determinadas concentrações hormonais – organogénese.
As plântulas regeneradas in vitro são aclimatizadas e transferidas para o solo.
Explante: fragmento de tecido vegetal obtido a partir de uma planta e que será propagado para a obtenção de outra.
Tecido Caloso: tecido muito heterogéneo formado por uma massa de células, predominantemente parenquimatosas, em proliferação. O tecido caloso pode ser dividido e subcultivado por sucessivas gerações.
As células do tecido caloso podem ser induzidas a regenerar plantas completas através de:
Embriogénese somática – consiste na produção de estruturas semelhantes a embriões a partir de células somáticas. Os embriões somáticos são estruturas bipolares independentes que sofrem um desenvolvimento em plântulas semelhante ao dos embriões zigóticos.
Organogénese – consiste na formação de estruturas caulinares ou radiculares a partir do tecido caloso. Também pode verificar-se organogénese directamente a partir do explante.
As plantas que se originam a partir desta técnica são geneticamente idênticas às plantas que lhes deram origem.
A micropropagação permite:
a protecção das culturas contra as doenças/produção de plantas livres de vírus por cultura de meristemas;
a obtenção de taxas de multiplicação e crescimento superiores ao normal;
o controlo de factores ambientais adversos;
a realizaçao de pesquisas de melhoramento genético;
a obtenção de grandes quantidades de compostos a custos reduzidos – é a partir do seu metabolismo que as plantas produzem substâncias químicas com propriedades farmacológicas. Cerca de 25% dos medicamentos prescritos possuem produtos extraídos de de plantas, sendo os procedimentos para a sua extracção extremamente dispendiosos. As técnicas de cultura poderão representar uma forma de facilitar a obtenção/extracção desses produtos, com maior grau de pureza;
a redução do espaço para o seu crescimento;
a propagação de espécies de difícil reprodução;
a obtenção de plantas homozigóticas para todos os genes por cultura de anteras, seguida de indução da duplicação cromossómica.
Cultura de Protoplastos:
Protoplastos: células vegetais cujas paredes celulares foram removidas por processos mecânicos ou enzimáticos, deixando a célula apenas protegida pela membrana plasmática.
Aplicações dos protoplastos:
podem ser cultivados in vitro e regenerar plantas completas;
são utilizados na transformação genética de plantas, uma vez que a ausência de parede celular torna mais fácil a introdução de DNA estranho;
são utilizados na obtenção de plantas híbridas, por fusão em cultura.
Há variedades de plantas que poderão ser produzidas no futuro através da manipulação de plantas haplóides, criadas com recurso à micropropagação e a partir de grãos de pólen isolados. Depois, a partir da fusão de protoplastos (pertencentes ou não à mesma espécie), produzem-se células híbridas. Os protoplastos (depois de reconstituída a parede celular) podem crescer num meio de cultura, originar tecido caloso e daí criar uma nova planta transgénica, com as características das duas plantas iniciais.
A regeneração a partir da fusão de protoplastos encontra algumas dificuldades no que diz respeito à produção de plantas monocotiledóneas, como o milho, o trigo e o arroz. Contudo em dicotiledóneas já apresenta grandes progressos.
Controlo hormonal do crescimento e desenvolvimento das plantas:
As hormonas vegetais desempenham diferentes funções dependendo do local onde actuam, do estádio de desenvolvimento do órgão e da sua concentração. São precisamente estes factores que são controlados na cultura de células e tecidos vegetais in vitro.
Funções das hormonas vegetais:
Hormonas |
Função desempenhada na planta |
---|---|
Auxinas |
Promove o desenvolvimento de raízes e caules, através do alongamento de células recém-formadas nos meristemas. |
Giberelinas |
Estimulam o crescimento de caules e folhas. Juntamente com as auxinas, estimulam o desenvolvimento de frutos. |
Citocininas |
Estimulam a divisão celular. |
Ácido abscísico |
Inibe o crescimento das plantas. |
Etileno |
Induz o amadurecimento dos frutos. |
Contudo, quando combinadas entre si, as hormonas podem ter influências diversas das apresentadas.
Criação e Clonagem de Animais:
Nas últimas décadas, o número elevado e crescente de animais em explorações levou a pecuária a uma intensificação preocupante, conduzindo a uma exagerada produção de efluentes, cujo armazenamento, tratamento e destino levantam problemas ambientais e sócio-económicos.
A criação de animais destinados à alimentação humana em espaços restritos e densamente ocupados, como aviários e suiniculturas, permite produzir grandes quantidades de carne em pouco tempo, mas recorre, geralmente, à utilização de substâncias com efeitos adversos sobre a saúde humana, tais como:
Antibióticos: previnem doenças e inibem o crescimento de bactérias da flora intestinal, o que permite canalizar os nutrientes exclusivamente para o crescimento do animal. Aumentam os riscos de reacções alérgicas e de desenvolvimento de resistências em seres humanos.
Hormonas: permitem aumentar a produção de massa muscular, conferindo ao animl maior peso. No entanto, os compostos fornecidos aos animais podem não ser destruídos durante a preparação de alimentos e, eventualmente, originar dioxinas, que são potencialmente tóxicas e cancerígenas. Estas substâncias podem entrar na cadeia alimentar humana e causar efeitos nefastos nos sistemas imunológico e neurológico, principalmente nas crianças.
Farinhas de origem animal: permitem aumentar a quantidade de proteínas na alimentação do animal, mas podem introduzir desiquilíbrios, como o que levou ao aparecimento da variante humana da encefalopatia espongiforme bovina (BSE)
A clonagem de animais, como ovelhas ou coelhos, pode ser conseguida através de fecundação in vitro seguida da divisão e transferência de embriões. As primeiras células que resultam da divisão do zigoto são totipotentes e podem ser separadas e cultivadas em meio de cultura apropriado, dando origem, cada uma delas, a um embrião que é implantado no útero de uma fêmea. Esta técnica permite a selecção de gâmetas de animais com características vantajosas que, assim, vão originar numerosos descendentes num curto espaço de tempo.
A generalização da clonagem animal será acompanhada de uma perda de variabilidade genética, que se traduz numa menor capacidade de adaptação da espécie às alterações do ambiente.
Organismos Geneticamente Modificados (OGM):
A tecnologia do DNA recombinante torna possível a manipulação do genoma de plantas e animais utilizados na alimentação humana, com determinados objectivos:
melhoramento das propriedades nutritivas;
aumento da produção de carne, leite, sementes, frutos e outros géneros;
tolerância a condições ambientais adversas;
resistência a herbicidas;
alteração da maturação de frutos.
Aplicações da Biotecnologia na criação de animais:
biorreactores: criação de cabras, porcas e ovelhas transgénicas que produzem, no leite, proteínas humanas de importância biomédica, como anticoagulantes, por exemplo, que serão posteriormente extraídas;
utilização de organismos para estudos moleculares que contribuam para testar agentes terapêuticos de prevenção e combate a doenças;
melhoria nas taxas de crescimento e produção de fibras têxteis (lã). Os casos de maior sucesso no aumento de massa corporal ocorreram com peixes e na produção de têxteis, sem haver alteração nas propriedades das fibras;
obtenção de animais com defesas selectivas para determinadas doenças (por exemplo, resistência ao vírus Influenza).
Há uma natural dificuldade em implementar os processos biotecnológicos nos animais, comparativamente às plantas, uma vez que estes não apresentam células totipotentes após o desenvolvimento embrionário.
As plantas transgénicas são fáceis de obter porque possuem um ciclo de vida curto, produzem uma descendência numerosa e têm uma grande capacidade de regeneração.
Na transformação genética de plantas é frequente a utilização como vector do plasmídio de Agrobacterium tumefaciens. Esta espécie de bactéria vive no solo e infecta as plantas, causando tumores. A capacidade infecciosa reside num gene do plasmídio Ti. O plasmídio Ti pode ser manipulado de modo a substituir o oncogéne por um gene com interesse que é transferido para a planta.
Em plantas que não são infectadas por Agrobacterium tumefaciens, a introdução de DNA exógeno em protoplastos ou o bombardeamento de partículas também tem bons resultados.
Um exemplo comum de OGM é o milho Bt, capaz de produzir naturalmente o insecticida. Este milho foi produzido obtendo o gene de uma bactéria do solo, a Bacillus thuringiensis (Bt), que produz uma toxina mortal para as larvas.
Impactos/riscos dos OGM vegetais:
Há a confirmação de transferência de substâncias alérgicas, havendo ainda muitos OGM à venda contendo proteínas cujo potencial alérgico não foi testado.
Foram feitos estudos em ratos alimentados com batatas geneticamente modificadas, observando-se que o sistema imunitário do animal ficou debilitado.
Na agricultura, o uso de OGM resistentes a herbicidas pode incentivar ao uso de doses elevadas destes produtos, agravando o problema da poluição de aquíferos, e causando problemas de saúde, como diversas formas de cancro.
Não é possível separar culturas transgénicas das convencionais. O pólen pode percorrer mais de 180 km num só dia. Assim, pode haver transferência dos transgenes para as espécies nativas, originando poluição genética.
Os OGM são uma novidade para a natureza, e a possível inexistência de predadores naturais pode facilitar a sua expansão e competitividade com espécies nativas, pondo em causa a biodiversidade.
Devido ao ganho de resistência aos herbicidas dos OGM, e ao consequente exagero do seu uso, determinadas plantas podem tornar-se «superpragas», ganhando resistências. Tal já aconteceu na Grã-Bretanha.
Estudos provam que as folhas das plantas Bt podem alterar a composição biológica do solo, o que poderá provocar um desiquilíbrio biológico, com repercursões nos ciclos biogeoquímicos (água, azoto, etc.).
As toxinas produzidas pelo milho Bt podem afectar outros insectos que não são pragas importantes, mas que são muito sensíveis à toxina produzida.
Possibilidade de disseminação do transgene pelo pólen e de a toxina se encontrar no néctar ou no pólen da planta e assim ser incluída na produção de mel pelas abelhas, sendo potencialmente alérgica para os humanos, obrigando a que esse milho apenas fosse usado nas rações alimentares dos animais.
Desenvolvimento do gene Terminator (actualmente proíbido), que desactivava a capacidade de uma semente germinar quando plantada no ano seguinte.
Os genes que conferem resistência aos antibióticos são utilizados como marcadores para seleccionar os transgénicos. Mas alguns podem escapar dos OGM e passar para as bactérias.
Papel da Biotecnologia no combate à fome
A cultura de tecidos e a micropropagação vegetal são as técnicas de maior sucesso na produção de géneros alimentares, em mercados da Ásia, América Latina e África, pois são pouco dispendiosas e adequadas às potencialidades económicas dos países em questão.
Exemplos de projectos biotecnológicos em curso nos países do Terceiro Mundo que visam aumentar a produtividade agrícola e, desta forma, combater a fome e subnutrição:
produção de arroz transgénico resistente ao vírus RYMV endémico do continente africano, capaz de dizimar arrozais na sua totalidade;
produção de arroz com consideráveis quantidades de ferro e vitamina A (o arroz constitui muitas vezes o único alimento disponível);
criação de variedades de plantas resistentes a secas para impulsionar a produtividade das zonas semiáridas do continente;
criação de variedades de trigo e milho resistentes ao alumínio, prontas para crescer em solos tropicais com elevados teores deste metal.
A Biotecnologia não constitui, por si só, uma solução para a fome no mundo. A prossecução desse objectivo só pode ser concretizada através de medidas políticas e sócio-económicas de âmbito local e global.
Biologia
Cellular metabolism and fermentation
Cellular respiration and fermentation
Energy, Enzymes, and Catalysis Problem Set
Bioquímica